Artigo originalmente publicado na edição de 7 de março de 2019 do jornal Valor Econômico.

Por Vinod Thomas e Sergio Leão

Uma regulação eficaz e transparente é a baliza mínima obrigatória para atividades que envolvam riscos às pessoas, de danos ao meio ambiente e à organização social e econômica em uma sociedade. O histórico de acidentes e desastres, naturais ou não, notadamente envolvendo atividades industriais, mostra que estes acontecimentos são pontos de ruptura na relação com a sociedade, exigindo redefinição de limites e novos balizamentos.

As lições do histórico oferecem, no entanto, exemplos em que os agentes envolvidos decidiram ir além da revisão dos limites obrigatórios. Um desastre como o de Brumadinho exige imediato resgate emergencial, esforços de ajuda humanitária e reparação de danos. Porém, e concomitantemente, é necessário reavaliar regulamentos não apenas para barragens de rejeitos, mas também de outras instalações vitais onde os novos parâmetros e limites serão aplicados como referências que permitam reconstruir a confiança e assegurar o bem-estar, o equilíbrio ambiental e o crescimento econômico sustentado.

Sem reduzir a importância das investigações para identificar responsáveis, o retrospecto mundial de acidentes demonstra a relevância da ampla avaliação e identificação das causas como bases para a revisão de normas e padrões. Lembremos de 1989, quando o petroleiro Exxon Valdez colidiu com um recife na costa do Alasca e derramou 36 mil toneladas de petróleo. Esse desastre foi causado pela degradação de práticas de segurança que passaram a um novo patamar resultante da profunda revisão normativa no transporte de petróleo.

Outro exemplo foi o acidente da usina nuclear de Three Mile Island em 1979 nos Estados Unidos. A extensa investigação levou à revisão de normas e à criação do Instituto de Operações da Energia Nuclear (INPO em inglês), com o objetivo de promover, pela auto regulação, a excelência em segurança e restabelecer a confiabilidade no setor de energia nuclear.

Em infraestrutura, há oposição à implantação de novas usinas hidrelétricas de grande porte, em vista de impactos irreversíveis que marcaram projetos em passado recente. O Brasil é um dos líderes na construção dessas barragens geradoras de 80% de sua energia elétrica. Embora o histórico de hidrelétricas mostre níveis de riscos de acidentes muito inferiores às barragens de rejeitos, o embasamento das críticas aos grandes projetos hidrelétricos impulsionou no Brasil o atual estágio de uma regulamentação rigorosa para as atuais e novas usinas.

No entanto, e para complementar o alcance das normas legais, o setor de hidroeletricidade por meio da associação internacional (IHA) publicou em 2015 o protocolo de avaliação em sustentabilidade, um modelo de autorregulação para hidrelétricas cobrindo 26 temas e critérios aplicáveis às diferentes etapas da vida útil de um projeto. Participaram desse desenvolvimento empresas do setor, ONGs ambientalistas, o Banco Mundial, especialistas e consultores.

No setor de mineração, o Conselho Internacional (ICMM) tem 10 princípios subscritos por 27 empresas.

A coexistência entre atividades das empresas, o equilíbrio ambiental e a vida nas comunidades dependerá do convencimento da sociedade de que a prevenção e os controles nos projetos mantêm os riscos em patamares aceitáveis, e sejam mitigados ou compensados os impactos sociais e ambientais inevitáveis. O Brasil, entre outros países, tem um histórico crescente de comunidades questionando a continuidade de atividades ou a viabilidade de novos projetos.

Num cenário de mudanças climáticas desafiando o conhecimento pela alteração da magnitude e frequência de eventos extremos será necessário rever critérios para riscos associados aos atuais e aos novos empreendimentos e projetos. Entender as implicações dessas mudanças dependerá do diálogo transparente e a construção de uma base de entendimento comum entre empresas, sociedade e governos.

Os marcos regulatórios visam tanto proteger pessoas em suas comunidades e o meio ambiente contra externalidades negativas, no exemplo da poluição industrial, como dar solidez ao desenvolvimento econômico. Além da regulação de comando e controle, existem outras modalidades por mecanismos de mercado que tendem a ser mais eficientes, menos burocráticas e menos sujeitas à corrupção. A sociedade influencia e participa da revisão dos marcos legais, mas é papel do governo aprovar, exigir e supervisionar.

A questão vai além de ter mais ou menos legislação, mas sobretudo que seja atual e efetiva. Os exemplos recentes de seis desastres com barragens de rejeitos em Minas Gerais entre 2001 e 2019, na mineração Mount Polley no Canadá em 2014, assim como outros na Índia e Nova Zelândia, ou colapsos por inundações na Itália e nos Estados Unidos, demonstram a necessidade de rever critérios sobre riscos e a interação entre comunidades, empresas e o meio ambiente. Episódios transformadores, sejam ambientais, sociais, financeiros ou de governança, são momentos para empresas, governos e sociedade avançarem com a regulação obrigatória, mas também para inovar e ir além dos limites das leis.

Proteger o meio ambiente, construir a convivência em um relacionamento de confiança junto a comunidades, e promover o desenvolvimento econômico requerem marcos legais claros e atualizados para setores vitais como energia, infra-estrutura e mineração. Mas a era da hipertransparência e a evolução dos referenciais de governança desafiam empresas a uma nova dinâmica de relacionamento com a sociedade em que as leis são a base mínima, porém insuficiente para a construção de relações de confiança. Os exemplos da história mostram que uma autorregulação eficaz e transparente, indo além do que determinam as normas e regulamentos obrigatórios e estabelecida com contribuições de diversos segmentos, é um caminho que poderá aproximar empresas, sociedade e governos.


Vinod Thomas é economista, Ph.D. pela Universidade de Chicago, ex-diretor do Banco Mundial para o Brasil e membro do Conselho Global da Odebrecht.

Sergio França Leão é engenheiro, Ph.D. pela Universidade da Califórnia, Berkeley, consultor de sustentabilidade na Odebrecht e sócio-diretor da Fronteira Sustentável Consultoria.