Após os avanços na legislação internacional e na brasileira e o empurrão das investigações sobre corrupção no país, empresas nacionais colocaram, definitivamente, em sua lista de prioridades a implantação e o aprimoramento de programas de conformidade, como são denominados o sistema, as ações, as atitudes e a postura que orientam ou mesmo impõem às empresas agir sempre dentro da ética. O desafio é passar do papel à prática, com medidas que tenham impacto verdadeiro no dia a dia dos negócios.

Conformidade na economia mundial teve seu primeiro impulso na década de 1970. Após a revelação do pagamento de propinas por grandes corporações americanas, surgiu a lei FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), que estabelece sanções para empresas e executivos flagrados em atos de corrupção fora dos Estados Unidos. A lei exigiu também aprimoramentos nos controles internos das companhias.

Nos anos 1990, a United States Sentencing Commission (USSC) definiu as bases para a implantação de programas de conformidade e ética na iniciativa privada. Na década seguinte, a Lei Sarbannes-Oxley determinou medidas amplas de transparência para empresas e prestadores de serviços de auditoria, em especial aquelas listadas em bolsa. Paralelamente, o combate à corrupção ganhou status global em convenções internacionais no âmbito da ONU, da OEA e da OCDE. No Brasil, esse processo resultou na Lei Anticorrupção, de 2013, que faz referência a um programa de integridade para empresas, posteriormente detalhado em seu decreto de regulamentação.

Mais recentemente, acordos de leniência, assinados pelo Ministério Público Federal com empresas investigadas por corrupção, também estabeleceram a exigência de implantação de programas de conformidade com base em referências internacionais. O rápido aumento do interesse pelo tema fica claro, por exemplo, na crescente procura pelo selo de integridade Pró-Ética, do Ministério da Transparência. Neste ano, 171 empresas cumpriram os requisitos para serem avaliadas, mais que o dobro do número de 2016. A maior parte delas são grandes empresas.

Investigações, como a Operação Lava-Jato, no entanto, têm demonstrado que não basta adotar na empresa um belo conjunto de normas, ainda que baseadas nos melhores padrões internacionais. O desafio está em garantir, na prática, que a empresa fará negócios dentro da ética. O primeiro passo para isso é o compromisso da liderança, o chamado “tone from the top”. Um bom sistema de conformidade deve ser desdobramento da estratégia de negócios, a partir de uma decisão discutida e aprovada pelo board da companhia. O papel da área de conformidade é, principalmente, educativo, já que os verdadeiros dilemas éticos surgirão diretamente para quem está fazendo negócios.

O sistema de conformidade deve ser implantado com planejamento e avaliação permanente, seguindo sempre os mais eficientes modelos. Medidas concretas, adotadas e comunicadas ao longo do tempo, são a melhor forma de conquistar credibilidade tanto do corpo de funcionários quanto do público externo. São a prova de que o compromisso da empresa é para valer, e não apenas um apanhado de boas intenções.

As ações práticas devem impactar toda a cadeia de valor. É preciso exigir que fornecedores, para dar um exemplo, adotem a mesma régua ética, propagando os benefícios para todos os agentes com quem a empresa se relaciona. Outra forma de mostrar a convicção da liderança é o engajamento em ações coletivas. Ao participar ativamente de iniciativas e organizações não governamentais que promovem condutas éticas nos negócios, a empresa transmite um sinal forte de seu compromisso e contribui para o estímulo de boas práticas em todo seu mercado de atuação.

Transparência absoluta e adequada prestação de contas das medidas adotadas permitirão que a sociedade acompanhe o progresso do programa, e inclusive cobre melhorias. A empresa deve estar aberta a ouvir, dialogar e debater o tema com todos os públicos. Essa é uma forma também de sensibilizar a opinião pública para a necessidade de os agentes públicos, em todas as esferas, adotarem sistemas semelhantes de orientação, controle e vigilância.

As empresas estão fazendo a sua parte, reforçando os seus sistemas de conformidade e se transformando para agir sempre com integridade, ética e transparência. Cabe vigiá-las sempre. O atraso e os riscos estão no setor público, por enquanto muito lento em fazer as transformações, quando não as ignora. A pressão da sociedade e as consequências das investigações e sentenças judiciais recentes certamente ajudarão a mudar este cenário.


André Amaro é assessor especial do diretor presidente da Odebrecht S.A., coordenador do Comitê de Conformidade, Engenheiro Civil pela UFMG e MBA do IMD